quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Colheradas Eclesiásticas

     Semana passada aconteceu o anúncio anual do Prêmio Nobel - um pouco mais sobre o prêmio pode ser lido aqui. No grosso, além da imortalização do seu nome nos anais da história, de ganhar um milhão de dólares e ser convidado a peso de ouro para dar palestras mundo afora, ainda se ganha carta branca pra falar besteiras por aí, mesmo antes de esclerosar - vide o Luc Montagnier que passou a pregar sobre a memória da água.
     Mas o que chamou atenção dessa vez não foi o prêmio, mas algumas reações; uma especificamente. Entendamos o caso.
     O Nobel de medicina foi para um sujeito que desenvolveu a fertilização assistida - e ficou conhecido como o "Pai" dos bebês de proveta. No início foi um estrondo. Dizia-se que seria possível escolher o sexo do bebê, as características físicas... tudo bobagem. Apesar de ser possível distinguir espermatozóides X e Y, a coisa não é como escolher entre torta de morango ou chocolate. Mesmo assim, foi um enorme avanço, em dois itens dignos de nota: em primeiro lugar, as técnicas de manipulação e conservação de células foi um passo importantíssimo para o domínio atual de engenharia de tecidos e pesquisas em células-tronco (só isso); em segundo lugar, pelo alívio de um sofrimento psicológico absurdamente intenso, que é a dificuldade/impossibilidade da maternidade. Muitos casais que não podiam ter filhos estavam aprisionados num pesadelo depressivo - e eu não vou explorar as dimensões psicossociais do caso, mas não é difícil pensar no quão catastrófico isso pode ser para um casal, a mulher principalmente.
     É óbvio então que os avanços propiciados pela pesquisa nesse campo são sensacionais - seja para a fecundação assistida, mas ainda mais para os enormes potenciais das células-tronco - e sem sombra de dúvida, se causa diminuição do sofrimento humano, é bom, não?
     Não para a santa madre igreja. 
    Imediatamente após o anúncio do Instituto Nobel, as cornetas do Vaticano ecoaram mundo afora. Condenaram a premiação de algo anti-natural, que viola as leis do chefão deles, e toda a pantomima que costuma empestear manifestos dessa natureza. A notícia pode ser lida aqui, e a repercussão aqui. O absurdo dessa situação é tal que só pode ser comparado aos absurdos típicos proferidos costumeiramente por eles mesmos - do não uso de preservativos, do não uso das células tronco. 
     A ironia disso tudo é que a crítica deles faz todo sentido. Se a ciência for capaz de aliviar os sofrimentos humanos, prover conforto para aflições físicas e as explicações para o funcionamento do mundo material, pra que então serve a igreja? Já que o chefe deles só se ocupa das aflições da alma, então que não metam colheres eclesiásticas no caldo alheio.

10 comentários:

Anônimo disse...

Eu não sei o que é pior religiosos que não aceitam a ciência ou cientistas que não admitem crenças. Ambos se irritam, e ao meu ver,ambos têm mente limitada, pra não dizer preconceituosa.
Acreditar em Deus não significa anular a ciência, achar que ela é coisa do demo, ou algo parecido. Se as pessoas percebessem isso, nem os cientistas se zangariam com os religiosos e vice e versa.

Deixo bem claro que não acredito que todos sejam assim.

V. disse...

O premio Nobel já se desmoralizou, então o que falarem dele já se presume ser bobagem.
A fertilização in vitro já acontece a muito tempo utilizada em pesquisas a mais tempo ainda e só agora a reconhecem como um grande avanço da ciencia? Pior, só agora a igreja é contra? Quer dizer se nem dessem o nobel a igreja nem ia criticar? Bizarro e sem qualquer fundamento.
Já achei tambem palhaçada o que fizeram com Mario Vargas Llosa, o cara é genial e escreveu numa epoca de politica tensa no Chile, e agora que ele já parou de publicar a um tempinho é que resolvem dar um premio? Ridiculo.
O Nobel já teve prestígio, agora é só um clube que nomeia quem quer, e quando quer, não mais quem realmente merece.

montagna disse...

Caro(a) Anônimo(a)
Tenham suas religiões e crenças. Mas que não metam a colher onde não lhes compete. Acreditem no que quiserem, cientistas ou leigos, mas usar uma coisa pra outra e outra pra uma é que não dá certo nunca. Por que então os religiosos ficaram zangados com as descobertas científicas? Então, tenho sim o direito de ficar zangado com a colherada deles na ciência.

@V. O Nobel continua cobiçado e desejável. De fato, a coisa é bem mais política do que mérito.

Anônimo disse...

Porque eles ficaram zangados também não entendi.
E concordo: não da pra explicar crenças com ciência nem o contrario.

Anônimo disse...

Eu vejo a coisa assim: a ciência vai contra os desígnios de deus? Oras, os seguidores de deus, da religião, ideologia... não são obrigados a utilizar daquelas técnicas/descobertas. Qual o problema de deixar cada um escolher se vai ou não "arder no inferno"?

E pq a igreja é contra? Porque o domínio de técnicas como esta diminue a "onipotência" do seu deus. Simples assim.
Uma questão de vaidade, poder e manipulação. Desprezível assim...

Natália disse...

Essa briga entre ciência e religião não traz nenhum tipo de benefício para ambas as partes. Concordo com Montagna quando diz que cada coisa tem o seu lugar. O problema, na minha opnião, e nem sei se 'problema' é a palavra certa, mas é que a igreja/religião ainda interfere muito em todos os aspectos da sociedade, já entrando em outras discussões. O que deveria acontecer é essa separação, de fato, das partes. Ambas são importantes, para quem acredita, é claro.

V. disse...

@Montagna: O nobel nunca deveria ser politizado e no momento que fosse deveria cair no descrédito do meio cientifico e ter acabado. Mas sinceramente achei sacanagem o que fizeram com o Llosa não acha?

montagna disse...

@V.
Acho que todo tipo de prêmio como o Nobel é politizado. Na verdade, são declarações de importância reconhecidos por um número expressivo de cientistas do mundo todo. É notório que tenha havido injustiças - o caso do Carlos Chagas e tantas outras - mas é um por ano, e obviamente há muito mais feitos importantes do que apenas um por ano. Por outro lado, acho corretíssimo o que aconteceu com o Robert Gallo ao ser deixado pra fora do Nobel quando o Luc Montagnier ganhou - o Gallo foi pilantra - e a academia, num ato político, deixou claro que entendeu isso dessa forma. Assim, dentro do mérito científico, não acho que os que ganharam Nobel eram injustos; talvez tivesse sido mais justo ainda que um ou outro ganhassem. Quanto à literatura, não conheço a obra do Vargas Llosa, e nem tenho calilbre intelectual pra dizer sobre o Nobel de literatura. Mas por que sacanagem? Por ter sido tarde? Antes tarde do que nunca!!!

GaArini disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
GaArini disse...

Fala galera!
Bom, com relação ao fato de instituições religiosas meterem o dedo na ciência, e vice-versa, discordo, também, porém em conversa com um amigo, é muito claro que quanto mais a ciência cresce e avança, mais valores morais e éticos tendem a cair pela imposição de um novo pensamente que pode ser testado e manipulado, porém essa briga é, na essência, irrelevante, pois ciência deve ser tratada como ciência e crenças como crenças. A ponto maior de toda a discussão fica no ponto em que valores estão sendo invertidos, o que traz o embate direto entre ciência e religião. Quanto ao Nobel, também acredito que o mesmo tenha adquirido mais um caráter político do que científico, propriamente, vejam o caso do físico brasileiro César Lattes: o cara foi de suma importância no trabalho sobre méson-pi e não recebeu o prêmio pois seu colega de pesquisa havia falecido e o prêmio não poderia ser póstumo, mas ficou super claro que o prêmio não foi para esse trabalho dada a naturalidade do pesquisador!