segunda-feira, 23 de abril de 2012

Por que estudar ciência - Parte 1

É uma pergunta muito comum e convencional: por que estudar ciência? Resposta simples e direta: pra não ser enganado. Mais que isso é reserva de mercado. Não há nada de incrível ou mais nobre em ciência. Ela é conhecimento humano, mais uma das formas de conhecimento humano. O problema é que, mesmo aqueles que são grande detratores da ciência muitas vezes não se dão conta de que gozam de uma vida muito melhor que a de seus antepassados justamente pelo avanço da ciência.

Pois é, mas se não é esse extremo, é o outro: a ciência como um elixir universal, uma panacéia, uma embromada de indecisões, um infindável ciclo de idas e vindas. Hoje pode tomar café, amanhã não pode. Hoje pode comer chocolate, amanhã não pode. Mas isso é mesmo um problema da ciência? Estou certo que não. Daí a postagem de hoje, onde eu mostro como a forma de divulgação é um completo desastre, isso quando não deixa a clara impressão de ser propositalmente mal-feito. Vejamos esse espectro adiante.

O primeiro exemplo é tipicamente um artigo mal-escrito, feito de forma simplificada, que não explica nada, não mostra o caso e joga um monte de palavras complicadas que supostamente dariam o tom "científico" pro artigo. Leia aqui e julgue. Ponto um: é evidente que fazer atividade física reduz índice de massa corpórea. Aliás, IMC é uma grande bobagem. Faz sentido em contextos limitadíssimos, deve ser usado em conjunto com outros dados, e, principalmente, não pode ser tomado como valor absoluto. Ponto dois: comer chocolate não é problema algum. Não há nada de errado com o chocolate. Há de errado com a cabeça de quem come quando come um quilo de uma vez só. Aliás, comer um quilo de qualquer coisa não vai ser legal. Agora, veja como o título é sensacionalista e diga se esse título é condizente com o que está no artigo original? Jamais. Pelo menos nesse artigo é possível encontrar o artigo original. Vale seu tempo!

O segundo exemplo é tipicamente o dado com limitadíssimo significado estatístico, mas que pode ser esticado e reinterpretado ao gosto e sabor do escritor. Leia aqui. Veja que o próprio escritor diz uma coisa diferente daquela que está no título. Além disso, eles sempre fazem questão de dizer que "diz o estudo". Não, o estudo não diz aquilo que o jornalista quer que diga. Ele está dizendo aquilo que ele entendeu (mal) do artigo. Convenhamos que o artigo mostra uma correlação estatística meio capenga, e nem tem lá essa qualidade, e mesmo assim, o jornalista consegue piorar. Tanto pior pra quem acreditar que ficar na academia do second life pode ajudá-lo a perder peso, mesmo comendo tranqueiras sentado na frente de um PC!!!

Por fim, o que motivou esse post. É uma coisa horrorosa! Os autores não falam nada daquilo no título. Na verdade, isso é um argumento conhecido na filosofia como o "Scarecrow Argument", ou seja, argumento espantalho: toma-se um argumento válido, simplifique-o ao ridículo e depois ataque a simplificação. Leia aqui e confira. O artigo fala claramente do problemas de se consumir carne industrializada, não fala nada de carne fresca; o artigo não fala em quantidades, nem o original e nem a notícia; é um estudo populacional que mostra uma possível correlação, no entanto, não leva em consideração um monte de outros fatores; também mostra que a culpa não é da carne, mas dos aditivos. Oras, então não se consumam os aditivos, que se troque os aditivos, mas a carne?!?! Parei.

Resumo da brincadeira: pra quem serve esses artigos? Para os não letrados em ciências. O mundo não precisa ser cientista. Mas precisa saber se defender desse tipo de bobagem. Me espanta que haja tanta credulidade quanto vejo para com esses artigos: isso é levado ao pé da letra, consumido, forma opinião e até políticas! Mas me horroriza ver colegas cientistas não se levantarem contra isso, e me enoja ver que muitos deles também são sensíveis a esse tipo de bobagem. Só posso pensar em incompetência.

Mas esse é o assunto do próximo post.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Pensando em Modelo

Há uns dias apareceu uma notícia um tanto engraçada na mídia. Moscas macho também afogam as mágoas no álcool quando sofrem rejeição. Pode ser lido nesse link aqui. Piadinhas à parte, mas, no final, o pessoal eleva o tom da crítica e acaba atacando a ciência, como é de costume.

Longe de mim querer defender a ciência (ela já está bem crescida pra fazer isso sozinha), mas temos que ser justos, e, por que não, mostrar o que há por trás dessa notícia.

Em primeiro lugar, não vamos nos importar com questões de método - se o sujeito fez um bom experimento, se a resposta é essa mesma, se os dados são coerentes. Em segundo lugar, vou ignorar a ignorância - o pessoal que faz comentários cretinos demais pra serem comentados. Em terceiro lugar, pra chegarmos ao miolo da questão, vou partir de uma pergunta simples: mas por que raios, moscas?

A mosca da fruta é o que chamamos em ciência de "modelo". O modelo não se propõe a reproduzir fenômenos de forma idêntica à sua ocorrência natural; mas sim, tenta reproduzir algo similar num sistema mais simples, ou ainda, num sistema mais controlável. Não é possível reproduzir fielmente o Big Bang num laboratório. Isso é impossível. Tanto por não se saber exatamente a natureza do fenômeno que o gerou (físicos e químicos, desculpem minha ignorância se esse dado já for claro), como por não haver equipamentos e técnicas pra se fazer isso. Da mesma forma, não é possível se reproduzir fielmente em laboratório a origem da vida - no experimento de Urey-Miller, as condições podem ser parecidas, tudo pode ser muito similar, mas sempre será baseado em dados químicos, derivados de dados geológicos, derivado de dados paleontológicos, numa cadeia que sabidamente contém (e conterá) erros. Mas o experimento faz uma proposta coerente, com base nos conhecimentos disponíveis e, mesmo muito criticável em muitos aspectos, propiciou enorme avanço no conhecimento científico sobre o que é vida, e como ela pode se formar.

Pois bem, então por que fazer experimentos se sabemos que haverá erros neles? Pra que basear conclusões em sistemas e assunções que sabidamente estão incompletos ou carregam imprecisões? 

Simples: por que é a melhor forma que temos para obter as explicações de forma coerente, a mais simples dentro das possibilidades tecnológicas, e que vai permitir que novos dados sejam descobertos sobre cada assunto complexo: tipicamente aquele com o qual a ciência se depara.

O modelo se presta a isso: criar um sistema que de alguma forma seja comparável com o natural, que possa ser manipulado, que dê boa noção sobre o comportamento do fenômeno, mas jamais será o fenômeno em si. E o bom cientista sabe disso: que modelos são representações incompletas, reduzidas, simplificadas, mas que, de alguma forma, compartilham similaridades suficientes com o sistema real a ponto de se poder usá-lo para fazer previsões úteis.

Aí chegamos ao ponto. Explicar. Muitas formas de conhecimento humano conseguem dar explicações. Mas a maioria delas, no geral, não conseguem fazer previsões baseadas em dados coerentes e que possam ser revistos. Daí a importância dos experimentos em modelos. Eles dão excelentes indicações do melhor caminho a ser trilhado na pesquisa. Por isso, nem podemos abrir mão dos modelos animais - no caso das ciências biológicas e médicas - e nem podemos deixar de criar modelos para o estudo de sistemas complexos.

Se somos parecidos com moscas? Evidentemente não. Mas talvez, sejamos muito mais parecidos do que gostaríamos. Como professor, garanto: já vi moscas muito inteligentes na vida!!!