O sucesso foi uma substituição insuficiente para essa sua ânsia, jamais revelada, revelo-a eu agora, esperando com isso iluminar de modo mais belo essa personalidade que de público cortejou sempre o gosto de chatear, criar adversários, até mesmo alimentar ódios, ser insuportavelmente odioso. Diante de alguns de seus acessos – comigo jamais demasiados – eu zombava, parodiando, comicamente, o Horácio final do Hamlet: "Dá-lhe, sweet prince!".
Fallstaffiano na forma e no conteúdo, ampliava o que sabia, o que lia, o que via, enquanto o tempo, esse marcador de vidas do qual ninguém escapa, nos mostrava que não era suficiente para que lesse tantos livros, visse tantos filmes, fosse a tantas exposições, escrevesse tanto. Mas quando, no calor de uma conversa, surgia qualquer assunto, o último livro, a última polêmica internacional, a última exposição no MoMA, as contas que fazíamos de seus exageros morriam. Ele expelia nomes e conceitos, citava autores e fofocas políticas, com justeza e propriedade, sem possibilidade de consulta, ao sabor do momento. Calava-nos. Calávamos.
E zombávamos também, os amigos, por trás ou pela frente, dos seus erros de observação, factuais ou de avaliação. Mas ele assumia o exagero, dava como desprezíveis as próprias incongruências, assim como assumia o grotesco na televisão, chutando as canelas dos "rivais", e cantando com voz roufenha e razoavelmente desafinada o Summertime ou, quem não viu não verá mais, a chiquita bacana lá da Martinica. E foi assim que criou um tipo, que ocasionalmente passou a imitar, antes que outros cômicos o fizessem.
De uma pessoa de tanto sucesso e tão disposta a atacar, justa ou injustamente, tabus nacionalistas, feministas, literários e que tais, com a capacidade intelectual amedrontadora que ele tinha, é muito brasileiro – será só brasileiro? – duvidar da masculinidade. Francis não escapou dessa. Mas eu conheci, estou contando nos dedos, mais de uma mão de mulheres belas e intelectualmente respeitáveis – combinação não muito comum, não sei se sabem – com quem ele se envolveu de maneira intensa e algumas vezes dramática.
Falando apenas do sucesso, sem discuti-lo, não conheço outro jornalista que tenha tido o que ele teve. Foi sempre visível, desde o tempo de suas impiedosas críticas teatrais, passando pelo Pasquim, Folha de S.Paulo, O Globo, TV Globo, e nesta, ultimamente, fazendo o que ele sabia fazer como ninguém – entrevistar personalidades famosas. Em inglês. Tudo a bom preço, que fazia questão de ostentar, materializando, nos grandes hotéis do mundo, na primeira classe dos aviões, nos carros com motorista, no seu ato existencial de todo dia, o "Sorry Periferia", do outrora Ibrahim.
Tinha, na sua profissão, chegado ao máximo, como repercussão, como compensação, como satisfação. Não podia ir mais longe. Me despedi: "Good night, sweet prince"."
Millôr, Revista Veja, edição 2025, 12 de Setembro de 2007.
Nenhum comentário:
Postar um comentário