É uma pergunta muito comum e convencional: por que estudar ciência? Resposta simples e direta: pra não ser enganado. Mais que isso é reserva de mercado. Não há nada de incrível ou mais nobre em ciência. Ela é conhecimento humano, mais uma das formas de conhecimento humano. O problema é que, mesmo aqueles que são grande detratores da ciência muitas vezes não se dão conta de que gozam de uma vida muito melhor que a de seus antepassados justamente pelo avanço da ciência.
Pois é, mas se não é esse extremo, é o outro: a ciência como um elixir universal, uma panacéia, uma embromada de indecisões, um infindável ciclo de idas e vindas. Hoje pode tomar café, amanhã não pode. Hoje pode comer chocolate, amanhã não pode. Mas isso é mesmo um problema da ciência? Estou certo que não. Daí a postagem de hoje, onde eu mostro como a forma de divulgação é um completo desastre, isso quando não deixa a clara impressão de ser propositalmente mal-feito. Vejamos esse espectro adiante.
O primeiro exemplo é tipicamente um artigo mal-escrito, feito de forma simplificada, que não explica nada, não mostra o caso e joga um monte de palavras complicadas que supostamente dariam o tom "científico" pro artigo. Leia aqui e julgue. Ponto um: é evidente que fazer atividade física reduz índice de massa corpórea. Aliás, IMC é uma grande bobagem. Faz sentido em contextos limitadíssimos, deve ser usado em conjunto com outros dados, e, principalmente, não pode ser tomado como valor absoluto. Ponto dois: comer chocolate não é problema algum. Não há nada de errado com o chocolate. Há de errado com a cabeça de quem come quando come um quilo de uma vez só. Aliás, comer um quilo de qualquer coisa não vai ser legal. Agora, veja como o título é sensacionalista e diga se esse título é condizente com o que está no artigo original? Jamais. Pelo menos nesse artigo é possível encontrar o artigo original. Vale seu tempo!
O segundo exemplo é tipicamente o dado com limitadíssimo significado estatístico, mas que pode ser esticado e reinterpretado ao gosto e sabor do escritor. Leia aqui. Veja que o próprio escritor diz uma coisa diferente daquela que está no título. Além disso, eles sempre fazem questão de dizer que "diz o estudo". Não, o estudo não diz aquilo que o jornalista quer que diga. Ele está dizendo aquilo que ele entendeu (mal) do artigo. Convenhamos que o artigo mostra uma correlação estatística meio capenga, e nem tem lá essa qualidade, e mesmo assim, o jornalista consegue piorar. Tanto pior pra quem acreditar que ficar na academia do second life pode ajudá-lo a perder peso, mesmo comendo tranqueiras sentado na frente de um PC!!!
Por fim, o que motivou esse post. É uma coisa horrorosa! Os autores não falam nada daquilo no título. Na verdade, isso é um argumento conhecido na filosofia como o "Scarecrow Argument", ou seja, argumento espantalho: toma-se um argumento válido, simplifique-o ao ridículo e depois ataque a simplificação. Leia aqui e confira. O artigo fala claramente do problemas de se consumir carne industrializada, não fala nada de carne fresca; o artigo não fala em quantidades, nem o original e nem a notícia; é um estudo populacional que mostra uma possível correlação, no entanto, não leva em consideração um monte de outros fatores; também mostra que a culpa não é da carne, mas dos aditivos. Oras, então não se consumam os aditivos, que se troque os aditivos, mas a carne?!?! Parei.
Resumo da brincadeira: pra quem serve esses artigos? Para os não letrados em ciências. O mundo não precisa ser cientista. Mas precisa saber se defender desse tipo de bobagem. Me espanta que haja tanta credulidade quanto vejo para com esses artigos: isso é levado ao pé da letra, consumido, forma opinião e até políticas! Mas me horroriza ver colegas cientistas não se levantarem contra isso, e me enoja ver que muitos deles também são sensíveis a esse tipo de bobagem. Só posso pensar em incompetência.
Mas esse é o assunto do próximo post.
Um comentário:
Putssssss, os artigos são realmente péssimos, de teor muito ruim. O pior é saber que assumem algum peso de decisão na sociedade! Detalhe: no primeiro artigo, até a fórmula do IMC está errada, pois pelo que me consta a altura de ser multiplicada por ela mesma, ou seja, elevada ao quadrado e não multiplicado por 2!
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