sexta-feira, 21 de maio de 2010

Célula sintética: bobagens e mais bobagens

Mal surgiram as notícias de que se conseguiu plantar um DNA modificado numa célula bacteriana, e o sensacionalismo já começa a aparecer. De novo, nossa querida imprensa faz sua parte e sua típica enxurrada de merdas. Não vou explicar longamente o assunto, mas algo precisa ser elucidado antes de malharmos a nossa sofrível divulgação científica.

Pegaram um bactéria, tiraram o material genético dela. Nada extraordinário... qualquer aluno de iniciação científica faz isso. Mudaram pedaços dessa DNA. Do ponto de vista de procedimento, vai, um mestrando iniciante faz isso. Saber qual trecho se quer mudar é outro papo, mas pelo nível de conhecimento de genomas bacterianos, atesto e dou fé: nada de extraordinário. Tem genomas bacterianos completos mapeados disponíveis na internet. Além disso, tendo uma sequência de bases na mão, tem um monte de softwares que ajeita o que se quer nesse bicho, afinal de contas, os aparelhos que fazem esse processo são todos operados por computador. Assim, literalmente os caras fizeram um copy -> paste de genes já conhecidos. Sintetizar DNA hoje é a baba do quiabo. Mudado esse DNA, basta fazer com ele seja inserido numa outra bactéria. Então, tomemos uma outra bactéria, tiramos seu material genético e colocamos aquele que modificamos. Procedimento? Nada de extraordinário.

Então, que raios há de grande e incrível nisso tudo?!? NADA!!!! Vejamos...

Pegamos um DNA pronto e modificamos. Tudo bem, isso se faz há uns 30 anos. Pegamos uma bactéria pronta e só trocamos o material genético dela. Tá certo, isso é um puta trampo de corno pra conseguir fazer dar certo. Mas é o trampo, não a idéia. A coisa é puramente tecnológica: descobriram um procedimento que consegue fazer isso sem matar a a bactéria - coisa que sempre acontecia. Notem que isso é como trocar o disco do seu video-game. Todo o aparato pra rodar o jogo já está, só trocamos o jogo. É muito, mas muito por aí mesmo.

Então por que o alarde?

Primeiro fator: os caras que fizeram a coisa estão patenteando o processo, o que é a grande sacada do negócio. As possibilidades tecnológicas disso são fenomenais.

Segundo fator: eles sabem fazer marketing. Sempre souberam. Pra quem não sabe, esses caras fazem barulho desde o início dos anos 90. E conseguem cada vez mais grana por isso. A propagando é a alma do negócio.

Terceiro fator: as preocupações industriais disso. Se os caras tiverem a patente, um monte de gente vai suar sangue pra conseguir comprar ou usar o processo - o que é um grande negócio. Portanto, a preocupação não é nada senão os caras terem o monopólio da ferramenta. Problemas ambientais? Bobagem... todos os dias são jogados montes de bactérias modificadas nas pias dos laboratórios. Aliás, o uso indiscriminado de antibióticos tem selecionado bactérias multiresistentes ao longo dos anos, e os hospitais estão empastelados delas.

Quarto fator: a imprensa é cretina e não consegue (ou não pode) mostrar a realidade, simplesmente por que tentar explicar a coisa a fará perder leitores. E convenhamos, a notícia é bombástica demais pra passar batida.

Quinto fator: somos imbecis e acreditamos nessa imprensa cretina.

Resumindo: é de verdade um grande passo tecnológico. É um grande passo em termos de modificação genética de microorganismos. E ponto. Daí os caras falarem em criar vida artificial ou célula sintética, francamente, é o cúmulo do absurdo. Em cima disso, saem procurando cientistas por aí - como se esses escolhidos fossem alguma referência universal a ser ouvida - e fazem as piores perguntas que se pode imaginar; e os caras, na tentativa de serem "didáticos", só pioram as coisas.

Mais notícias sobre esse assunto eu vou acabar postando com o andamento e desenrolar do noticiário vindouro. Ainda tem muita merda pra sair das páginas dos jornais.

6 comentários:

farmacéptica disse...

Esses entendidos são um pouco dramáticos, não?
E... pq raios consultaram um filósofo!?! Não respondam...

V. disse...

Bactérias recombinantes são usadas a muito tempo, e é necessario o uso de marcadores selecionantes como resistencia a antibioticos para assegurar que o procedimento deu certo. Mas dizer que se joga diretamente na pia é outra coisa, e é contra as BPL's descartar sem pelo menos encher de Hipoclorito o meio.
Realmente não tem como só mudando uma parte do DNA formar vida. Alias só realmente estaremos criando "vida" quando conseguirmos terminar o experimento de Urey-Miller, demonstrando de vez a Teoria de Oparin.

Anônimo disse...

Bem... Há mais coisas entre as BPL's e as pias dos laboratórios do que "sonha a nossa vã filosofia"...

V. disse...

Bom, a vigilancia sanitária quando quer é bem efeciente. Eu prefiro não testa-la...

montagna disse...

Pessoas, sem maionese: transformar uma bactéria é moleza. A sacada do cara é a eficiência técnica da coisa.
Fora isso, transformações de batérias podem acontecer de N formas diferentes. E eu atesto e dou fé: por mais que se tome cuidados especiais, quando o bicho é inofensivo, ninguém dá tanta bola assim. Escapam pelo avental, pelos cadernos de experimentos, pelas coisas esquecidas nos bolsos... é uma festa!!! E não venham os entendidos com discurso moralista: vai ser só retórica.

F. disse...

Preocupo-me mais, BEM mais, com os reagentes e afins que eu vejo ir pra pia do que com as bactérias. A "cochilança" sanitária... Bem, quem garante o que se faz quando ela vira as costas?