segunda-feira, 9 de abril de 2012

Pensando em Modelo

Há uns dias apareceu uma notícia um tanto engraçada na mídia. Moscas macho também afogam as mágoas no álcool quando sofrem rejeição. Pode ser lido nesse link aqui. Piadinhas à parte, mas, no final, o pessoal eleva o tom da crítica e acaba atacando a ciência, como é de costume.

Longe de mim querer defender a ciência (ela já está bem crescida pra fazer isso sozinha), mas temos que ser justos, e, por que não, mostrar o que há por trás dessa notícia.

Em primeiro lugar, não vamos nos importar com questões de método - se o sujeito fez um bom experimento, se a resposta é essa mesma, se os dados são coerentes. Em segundo lugar, vou ignorar a ignorância - o pessoal que faz comentários cretinos demais pra serem comentados. Em terceiro lugar, pra chegarmos ao miolo da questão, vou partir de uma pergunta simples: mas por que raios, moscas?

A mosca da fruta é o que chamamos em ciência de "modelo". O modelo não se propõe a reproduzir fenômenos de forma idêntica à sua ocorrência natural; mas sim, tenta reproduzir algo similar num sistema mais simples, ou ainda, num sistema mais controlável. Não é possível reproduzir fielmente o Big Bang num laboratório. Isso é impossível. Tanto por não se saber exatamente a natureza do fenômeno que o gerou (físicos e químicos, desculpem minha ignorância se esse dado já for claro), como por não haver equipamentos e técnicas pra se fazer isso. Da mesma forma, não é possível se reproduzir fielmente em laboratório a origem da vida - no experimento de Urey-Miller, as condições podem ser parecidas, tudo pode ser muito similar, mas sempre será baseado em dados químicos, derivados de dados geológicos, derivado de dados paleontológicos, numa cadeia que sabidamente contém (e conterá) erros. Mas o experimento faz uma proposta coerente, com base nos conhecimentos disponíveis e, mesmo muito criticável em muitos aspectos, propiciou enorme avanço no conhecimento científico sobre o que é vida, e como ela pode se formar.

Pois bem, então por que fazer experimentos se sabemos que haverá erros neles? Pra que basear conclusões em sistemas e assunções que sabidamente estão incompletos ou carregam imprecisões? 

Simples: por que é a melhor forma que temos para obter as explicações de forma coerente, a mais simples dentro das possibilidades tecnológicas, e que vai permitir que novos dados sejam descobertos sobre cada assunto complexo: tipicamente aquele com o qual a ciência se depara.

O modelo se presta a isso: criar um sistema que de alguma forma seja comparável com o natural, que possa ser manipulado, que dê boa noção sobre o comportamento do fenômeno, mas jamais será o fenômeno em si. E o bom cientista sabe disso: que modelos são representações incompletas, reduzidas, simplificadas, mas que, de alguma forma, compartilham similaridades suficientes com o sistema real a ponto de se poder usá-lo para fazer previsões úteis.

Aí chegamos ao ponto. Explicar. Muitas formas de conhecimento humano conseguem dar explicações. Mas a maioria delas, no geral, não conseguem fazer previsões baseadas em dados coerentes e que possam ser revistos. Daí a importância dos experimentos em modelos. Eles dão excelentes indicações do melhor caminho a ser trilhado na pesquisa. Por isso, nem podemos abrir mão dos modelos animais - no caso das ciências biológicas e médicas - e nem podemos deixar de criar modelos para o estudo de sistemas complexos.

Se somos parecidos com moscas? Evidentemente não. Mas talvez, sejamos muito mais parecidos do que gostaríamos. Como professor, garanto: já vi moscas muito inteligentes na vida!!!

2 comentários:

GaArini disse...

Sabia foi Sagan, quando disse: "O método científico não é perfeito, mas sem dúvida é o melhor que temos..."
Coerência, palavra chave no que descreve o modo como se fazer, tratar e abordar a ciência, onde tal palavra define rumos, hipóteses e, por que não, a própria ciência (além de outras palavras que ajudam a compor a designação daquilo que significa ciência).

Anônimo disse...

Tenho duas coisas a considerar:

1. Essa não é aquela mosca que nós chamamos de mosca do vinagre? Então como souberam que as moscas do experimento estavam à procura de álcool e não de vinagre?

2. Como os caras conseguem extrair um neuropeptídeo num cérebro daquele tamanho?!!